sábado, 19 de junho de 2010

Uma Casa Portuguesa



O dia tinha começado calmo como habitualmente.
Não tinha grandes afazeres à excepção da visita a mais uma casa na tentativa de me mudar de vez para o Porto!
As expectativas eram altas. Apesar de ser um pouco afastada do meu futuro local de trabalho as áreas eram boas e o tom de voz efusivo com que a senhora da Imobiliária falou sobre o apartamento criou em mim um entusiasmo desmedido.

Combino esperar por ela num local perto do apartamento como referência (podia ter usado o acampamento cigano como referência porque é impossível não reparar) e à chegada do citroen verde escuro segui-a.

As minhas elevadas expectativas começaram a baixar à medida que fui entrando no bairro! Prédios enormes cinzentos elevavam-se a cada cruzamento que passava, quase impedindo que o sol entrasse. As ruas estavam sujas, as pessoas berravam e insultavam-se. Pressenti que a qualquer momento ia surgir do nada um gang de marginais munidos de metralhadoras e laços na cabeça a entoar cânticos de guerra contra um outro gang numa qualquer luta territorial e eu no epicentro da batalha final!! "Pode ser que este seja só um atalho e o apartamento fique bem longe daqui" - pensei eu...

Mas não, umas centenas de metros mais à frente ela fez-me sinal para estacionar. Estaciono. A minha primeira reacção foi inventar uma qualquer desculpa e pisgar-me dali para fora mas no momento pareceu-me indelicado não ir pelo menos ver o apartamento.

Ela saiu do carro com total naturalidade, como se tivesse conduzido de olhos fechados o tempo todo, e com um tom de voz calmo e acolhedor disse-me: -A zona é agradável não é?
"Agradável??? Só pode estar doida" - pensei...
-Esta zona é sossegada, lá em cima é que é pior por causa dos ciganos. Mas não se preocupe, eles raramente vêm para estes lados e por trás do prédio tem a polícia!
Achei piada ao facto de um dos primeiros argumentos que ela referiu para valorizar a casa ter sido a presença da Polícia por trás do prédio!

Atravessámos a estrada e o que, em tempos, devia ter sido um pequeno jardim. Agora era um emaranhado de silvas e ervas secas. Abriu a porta do prédio com extrema facilidade. A ranhura tinha um aspecto estranho, era circular e com rasgos em volta. E ainda mais estranho foi o facto da chave ter um aspecto perfeitamente normal. "Aquela fechadura já deve ter sido forçada com mais objectos estranhos que a Cicciolina!" - pensei...

Subimos ao 8º andar. O elevador foi uma surpresa. Estava com um aspecto razoável, com a cor ainda ligeiramente visível, sem ameaças de morte escritas nas paredes, até ainda tinha parte do espelho pendurado na ranhura! Mal o elevador começou a subir percebi que tinha um aspecto aceitável porque ninguém o devia usar! Ruídos estranhos e solavancos constantes. O ranger das cordas à medida que o elevador ia subindo aumentava de tom. Sempre que o elevador passava um piso fazia um "tack" assustador! O mais estranho disto tudo é que a pessoa ao meu lado permanecia serena e a fazer perguntas de uma forma completamente descomplexada e segura!

Finalmente o elevador parou. A porta abriu-se e eu saí ainda meio tonto e combalido. Ela indica-me a entrada do apartamento. A porta estava intacta! A fechadura também!
Mas o meu entusiasmo depressa se desvanesceu. Entrei e o cenário foi algo de completamente surreal!

Paredes destruídas, azulejos partidos, portas dos roupeiros fora do lugar e, o mais estranho de tudo, uma porta que dava para a rua! O que seria perfeitamente normal se o apartamento não estivesse situado num 8º andar e se abrindo a porta tivesse uma varanda! Mas não, havia apenas três barras em que a mais alta dava pelo joelho e depois um vazio completo!!! "Seria fantástico se tivesse intenção de me suicidar!!!" - gritou o meu inconsciente!

A senhora assegurou-me que mais barras iriam ser colocadas para evitar acidentes mas mesmo assim não fiquei convencido!
A cozinha tinha as paredes completamente destruídas, os canos estavam arrancados, vidros partidos, o chão em madeira da sala estava riscado e levantado!

Misturado com estas sensações de horror entoava na minha cabeça a preocupação óbvia: "Será que ainda teria carro quando descesse?" Afinal já tinham passado cerca de 5 minutos, tempo suficiente para partirem os vidros, roubarem o rádio, os bancos, os pneus, jantes...

Entretanto essas preocupações varreram-se da minha cabeça no momento em que a porta da casa de banho se abriu! A banheira e a sanita estavam pretas, o que me levou a pensar por segundos que seria uma qualquer nova tendência de louças sanitárias, já que combinava com o chão preto e os azulejos verde escuro, mas foi mesmo só por breves segundos. A cortina branca da banheira estava amarela alaranjada! Estava a começar a ficar agoniado (aguentei-me bem não?) quando a senhora olha para mim e vendo a minha cara de choque diz-me muito calmamente: "Parece que não ficou muito interessado! Não se preocupe que ainda se vai dar um jeito à casa antes de ser alugada"!!
Que sensibilidade por parte da senhora, percebeu claramente o meu estado de espírito. Fiquei desde logo mais descansado, respirei fundo, abri a porta, desci as escadas a correr, abri a porta de entrada do prédio (eu sabia, a fechadura não funciona), meti-me no carro ainda intacto e só parei quando já estava bem longe dali...
:)

2 comentários:

  1. Mas será assim tão dificil arranjares casa?!!!
    Pela descrição essa parecia perfeita... Pelo menos não te podias queixar de espaço livre. Tens a polícia à beira e tudo, se perdesses a chave do prédio nem precisavas de incomodar um vizinho porque a porta estava aberta e ir até ao 8º andar a pé todos os dias deixava-te numa forma fenomenal!
    Agora a sério, espero que encontres casa rápido! Se fosse em Lisboa cedia-te o meu apartamento, afinal só esta a ganhar mofo!
    Buenas noches cariño
    Kisses
    Claúdia

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  2. Pelo que percebi foi dificil alugar casa na minha querida cidade..... Afinal para onde te levaram João? Imagino que ficaste mal impressionado com a cidade que escolheste para viver e trabalhar! Espero que essa memória tenha ficado para trás.
    Beijinhos
    Matilde

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