quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Um Estranho Amanhecer - Capítulo 1





Acordo agitado...
O facto de estar com a cabeça nos pés da cama e antes do despertador tocar é revelador de uma noite mal dormida.
Apesar disso sinto-me pesado, como se tivesse acordado de um sono profundo e longo, como se tivesse dormido 24 horas seguidas. Custa-me abrir os olhos e mexer o corpo.

Estranho o silêncio sepulcral completamente invulgar numa cidade onde o ruído é uma constante ainda para mais sendo dia da semana. Deixo-me envolver pelo silêncio e estou quase a adormecer outra vez quando sou interrompido pelo toque do despertador que toca a música "Yellow Submarine" dos Beatles numa versão interpretada pelo rancho folclórico de Mafamude. Estava tão inebriado pela doce voz da senhora do rancho que quase me esquecia do motivo pelo qual o despertador tocou. Hoje é dia de entrevista de trabalho!

Salto da cama e a aterro no tecto do quarto, mesmo entre o candeeiro e uma enorme melga esmagada há uns dias atrás com a almofada. Aproveito para tirar as teias de aranha do candeeiro e raspar a melga do tecto antes de me dirigir ao escadote no canto do quarto para descer.
Dirijo-me à casa de banho e lavo a cara. Quando me olho ao espelho reparo que metade da minha face tem barba de duas semanas enquanto que a outra metade está lisa e macia como se tivesse sido acabada de fazer.
Boa, - pensei - assim só demoro metade do tempo.

Fiz a barba com o x-acto, aparei os pêlos da virilha com uma tesoura da poda, cortei as unhas das mãos com a serra eléctrica e tomei banho de chuveiro. Foi um banho estranho...

Abro a porta do armário para decidir o que vestir. Um fato do Batman, um de Cowboy, um da Abelha Maia, a capa do Super Homem, um vestido de lantejoulas...
Decido vestir o da Abelha Maia, sempre é mais quentinho.
Acho que da última vez que o lavei devo ter exagerado na temperatura, pareço mais um Tarzan listado a preto e amarelo.
Bom, vai ter de servir - penso.

Entretanto com tudo isto já não tenho muito tempo. Desço à cozinha para um pequeno almoço rápido. Caldo de feijões e cozido à Portuguesa para não demorar muito.
Despacho tudo num ápice e saio à rua. Apanho o primeiro carro de bois na paragem e sigo para a entrevista. Chego mesmo em cima da hora!

Abro o portão onde se lê o tradicional aviso "Cuidado Com o Pinguim Cor de Rosa", sigo as setas fluorescentes ao longo do caminho sinuoso, passo um pessegueiro carregadinho de cerejas, pelo Alberto João Jardim que ordenha uma pequena vaca verde com manchas azuis de onde sai leite com cor de vinho tinto, passo as prostitutas, o Wally (afinal estavas aqui) até que um duende verde me puxa pelo rabo de abelha e me faz sinal para o seguir.
Desço à cave apenas iluminada por um painel gigante do Poppey onde se lê: " Não é dos espinafres, é do Viagra!"

Sento-me num banco comprido onde estão mais três candidatos. Uma senhora de 98 anos que, entusiasmada, fala sobre o seu casamento com o avô da sua amiga de infância e as expectativas que tem em perder a virgindade após o casamento, um anão que continua aos saltos a tentar subir para o banco e um jovem doutorado com um mba em gestão que tranquilamente rabiscava umas coisas no seu labtop topo de gama.
Que jovem estranho - pensei!

Entretanto entra a senhora que lê os números da lotaria na tv e chama o meu nome da mesma forma que anuncia os números da sorte.
Levanto-me e entro por uma porta tão pequena que tenho de ir quase de joelhos para conseguir entrar.
Merda, nesta o anão leva vantagem!- pensei.

Entro num corredor comprido onde apenas se via uma mesa ao fundo e uma marquesa encostada à parede. A luz vermelha intermitente e os sons agudos que percorriam o corredor criavam o cenário relaxante necessário para uma boa entrevista de trabalho. Entretanto dirige-se a mim a Angela Merkel apenas com botas de cano alto, calção de renda justo e top de cabedal. Numa mão segura uma enorme vela a arder e na outra um io iô.  Pede que me dispa e deite na marquesa. Pergunta-me se sou virgem (um ponto pra senhora de 98 anos), se bebo leite magro, se uso cuecas às bolinhas, se me toco no banho, se tiro a gordura do fiambre, se gosto de pêlos nos mamilos e se sou circuncisado!
Roda o io iô pelo peito até à virilha (ainda bem que as depilei), deita cera quente nos meus mamilos enquanto os massaja. Pede que me vire de costas. Enfia uma luva nas mãos, afasta-me as pernas e... toca novamente o despertador!
Acordo...

4 comentários:

  1. Fantastico! Incrivel criatividade sem perder "objectividade". Um dos melhores e mais surreais textos que ja li
    Beijo
    Ana

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  2. Olá João,

    Sempre cheio de criatividade e ironia!

    Não deixes nunca a escrita meu lindo amigo!

    Beijinhos
    Matilde

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  3. Oi Ana
    Obrigado pelo teu comentário e pela tua presença aqui, é maravilhoso poder ler alguns comentários, sejam eles criticas melhores ou piores, eu aceito tudo :)
    Beijos

    Querida Matilde, já tinha saudades de te ver por aqui, também é verdade que não tenho escrito nada de especial mas sabe bem saber que vais aparecendo...
    Beijos e volta sempre

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  4. Mas eu apareço meu querido João... tu é que tens andado um pouco preguiçoso para a escrita!!!!

    Por favor não pares e continua a deliciar-nos com os teus magnificos contos e textos!

    Beijos de Lus!
    Matilde

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Devaneios!