terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Um Estranho Amanhecer – Capítulo 2



Acordo inquieto e ofegante. Que raio de sonho - pensei.

A luz que espreita pelas frestas da persiana salienta as manchas de humidade na parede do quarto. Fixo o olhar nessas manchas que aos poucos começam a ganhar forma.

À direita está um coelho apoiado apenas em duas patas, em cima do trenó do Pai Natal. Com a pata esquerda segura bem alto uma cartola e com a direita masturba-se de forma exuberante. Um pouco à sua esquerda está um leão imponente com as patas bem levantadas e boca bem aberta em clara posição de ataque, muito embora não se mexa, como se tivesse por certo que o perverso coelho acabaria no seu estômago.

Estava eu nestas deambulações e quase a fechar os olhos novamente quando o coelho se vira para mim e exclama:

- Estás a olhar para onde?

Naturalmente estou a imaginar coisas, pensei.

- Estares a olhar para mim excita-te? – voltou a perguntar sem nunca parar de se masturbar.

-Eu! – exclamo atónito e desconcertado – Isto só pode ser imaginação da minha cabeça.

- Da forma que estou a masturbar-me vais ver o que vai estar na tua cabeça não tarda!

Continuava a achar que tudo não passava de um truque da minha imaginação ainda baralhada pelo sonho que tinha acabado de ter mas fiquei algo curioso para ver onde isto me ia levar!

- Ok, supondo que tudo isto está mesmo a acontecer queres-me explicar por que raio estas tu a segurar uma cartola bem alto?

- Pensei que a tua primeira pergunta seria por que raios me estaria a masturbar, mas gostei da tua forma de pensar.

- Pois, isso também – afirmo surpreendido pela perspicácia do safado coelhinho.

- Estava farto de estar enfiado na cartola do Luís de Matos, aquilo lá é pequeno e não dá muito jeito para me masturbar. Uma noite durante um espectáculo, puxa-me da cartola, agarro-me a ela e com um safanão consigo escapar-me das suas mãos. Saí porta fora, meti-me no trenó do Pai Natal que estava na plateia a assistir ao espectáculo e fugi!

- Mas esse trenó não tem renas! – exclamo.

- Não, este modelo é a gasolina.

- Ah, ok. Mas agora diz-me lá o que estás tu a fazer parado na minha parede?

- Fiquei sem gasolina. O que até nem foi assim tão mau porque mais um bocadinho ia parar à boca daquele faminto leão!

- Não te quero preocupar mas quer-me parecer que não tens muito para onde fugir.

- Por isso me comecei a masturbar. Foi uma reacção impulsiva mas funciona, acho que o leão ficou em choque.

- Pois, isso pode ser o que te esta a salvar de um destino certo mas mais tarde ou mais cedo vais ter de parar.

- Até parece que não conheces a nossa fama, isto é coisa para durar. - diz o coelho com um sorriso confiante – Além disso subestimas a minha capacidade, se me consegui escapulir com a cartola do Luís de Matos e o trenó do Pai Natal, um leão não é nada.

- Deves estar louco se pensas que te escapas, ele está mesmo em cima de ti!

- Tu estas a ver um coelho a masturbar-se em cima do trenó do Pai Natal e eu é que estou louco? – soltando uma alta e longa gargalhada.

Decido virar-me para a outra parede do quarto…

Não pode ser…

É mesmo! O Pinóquio com a pila na mão vira-se para mim e pergunta: “Achas que me safo melhor com o nariz?”

CHEGA. Vou comprar um desumidificador…

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Um Estranho Amanhecer - Capítulo 1





Acordo agitado...
O facto de estar com a cabeça nos pés da cama e antes do despertador tocar é revelador de uma noite mal dormida.
Apesar disso sinto-me pesado, como se tivesse acordado de um sono profundo e longo, como se tivesse dormido 24 horas seguidas. Custa-me abrir os olhos e mexer o corpo.

Estranho o silêncio sepulcral completamente invulgar numa cidade onde o ruído é uma constante ainda para mais sendo dia da semana. Deixo-me envolver pelo silêncio e estou quase a adormecer outra vez quando sou interrompido pelo toque do despertador que toca a música "Yellow Submarine" dos Beatles numa versão interpretada pelo rancho folclórico de Mafamude. Estava tão inebriado pela doce voz da senhora do rancho que quase me esquecia do motivo pelo qual o despertador tocou. Hoje é dia de entrevista de trabalho!

Salto da cama e a aterro no tecto do quarto, mesmo entre o candeeiro e uma enorme melga esmagada há uns dias atrás com a almofada. Aproveito para tirar as teias de aranha do candeeiro e raspar a melga do tecto antes de me dirigir ao escadote no canto do quarto para descer.
Dirijo-me à casa de banho e lavo a cara. Quando me olho ao espelho reparo que metade da minha face tem barba de duas semanas enquanto que a outra metade está lisa e macia como se tivesse sido acabada de fazer.
Boa, - pensei - assim só demoro metade do tempo.

Fiz a barba com o x-acto, aparei os pêlos da virilha com uma tesoura da poda, cortei as unhas das mãos com a serra eléctrica e tomei banho de chuveiro. Foi um banho estranho...

Abro a porta do armário para decidir o que vestir. Um fato do Batman, um de Cowboy, um da Abelha Maia, a capa do Super Homem, um vestido de lantejoulas...
Decido vestir o da Abelha Maia, sempre é mais quentinho.
Acho que da última vez que o lavei devo ter exagerado na temperatura, pareço mais um Tarzan listado a preto e amarelo.
Bom, vai ter de servir - penso.

Entretanto com tudo isto já não tenho muito tempo. Desço à cozinha para um pequeno almoço rápido. Caldo de feijões e cozido à Portuguesa para não demorar muito.
Despacho tudo num ápice e saio à rua. Apanho o primeiro carro de bois na paragem e sigo para a entrevista. Chego mesmo em cima da hora!

Abro o portão onde se lê o tradicional aviso "Cuidado Com o Pinguim Cor de Rosa", sigo as setas fluorescentes ao longo do caminho sinuoso, passo um pessegueiro carregadinho de cerejas, pelo Alberto João Jardim que ordenha uma pequena vaca verde com manchas azuis de onde sai leite com cor de vinho tinto, passo as prostitutas, o Wally (afinal estavas aqui) até que um duende verde me puxa pelo rabo de abelha e me faz sinal para o seguir.
Desço à cave apenas iluminada por um painel gigante do Poppey onde se lê: " Não é dos espinafres, é do Viagra!"

Sento-me num banco comprido onde estão mais três candidatos. Uma senhora de 98 anos que, entusiasmada, fala sobre o seu casamento com o avô da sua amiga de infância e as expectativas que tem em perder a virgindade após o casamento, um anão que continua aos saltos a tentar subir para o banco e um jovem doutorado com um mba em gestão que tranquilamente rabiscava umas coisas no seu labtop topo de gama.
Que jovem estranho - pensei!

Entretanto entra a senhora que lê os números da lotaria na tv e chama o meu nome da mesma forma que anuncia os números da sorte.
Levanto-me e entro por uma porta tão pequena que tenho de ir quase de joelhos para conseguir entrar.
Merda, nesta o anão leva vantagem!- pensei.

Entro num corredor comprido onde apenas se via uma mesa ao fundo e uma marquesa encostada à parede. A luz vermelha intermitente e os sons agudos que percorriam o corredor criavam o cenário relaxante necessário para uma boa entrevista de trabalho. Entretanto dirige-se a mim a Angela Merkel apenas com botas de cano alto, calção de renda justo e top de cabedal. Numa mão segura uma enorme vela a arder e na outra um io iô.  Pede que me dispa e deite na marquesa. Pergunta-me se sou virgem (um ponto pra senhora de 98 anos), se bebo leite magro, se uso cuecas às bolinhas, se me toco no banho, se tiro a gordura do fiambre, se gosto de pêlos nos mamilos e se sou circuncisado!
Roda o io iô pelo peito até à virilha (ainda bem que as depilei), deita cera quente nos meus mamilos enquanto os massaja. Pede que me vire de costas. Enfia uma luva nas mãos, afasta-me as pernas e... toca novamente o despertador!
Acordo...